Caranguejola e Geringonça: Não são bem a mesma m…, mas os cheiros confundem-se

É o tema do momento na política nacional e, se há coisa que este Blog não quer é evitar temas polémicos! 

Ao contrário, não há como uma boa polémica para originar aquilo que eu mais gosto de fazer, confrontar diferentes perspectivas sobre a mesma realidade!

Mas este é um tema complexo e que, por isso mesmo, merece uma análise multidimensional… é o que tentarei fazer nas linhas que se seguem:

  • Começo por deixar claro que não gosto desta caranguejola… como não gostei da geringonça… Uma e outra são formalmente legitimas, mas também… uma e outra me deixam a sensação de desrespeito pelo voto popular… assim como… uma e outra parecem padecer de uma vontade de tomar o poder mais do que de jogar o jogo democrático.
  • Será a Caranguejola consequência da geringonça?

Infelizmente assim me parece! Quando em 2015 António Costa resolveu inaugurar a utilização de um direito que, existindo desde que existe a nossa democracia, todos até então o tinham recusado: O direito de, não tendo ganho eleições, construir um acordo parlamentar que lhe permitia assumir os destinos do país.  

Ao fazê-lo o PS anunciou com estrondo o fim do “arco de governação” porque, como dizia Costa no parlamento*, “Aqui nesta Assembleia, somos todos diferentes nas nossas ideias, mas todos iguais na nossa legitimidade.”… Ou ainda como, mais tarde, explica António Arnaut** “Demos um passo em frente no alargamento da democracia, porque a democracia é com todos, não é só com alguns” **

Ao fazê-lo o PS rompeu com anos de prática do seu próprio Partido. Um partido que se definia como “O Partido da Esquerda Democrática” como que traçando uma linha a partir da qual não havia democracia.

Por tê-lo feito fica difícil ao PS justificar a sua aversão à nova Caranguejola uma vez que, nas suas próprias palavras, os partidos são “todos diferentes nas ideias, mas todos iguais na legitimidade” … Soa-me, por isso a falsa a indignação do PS nesta “novela”, a menos que o “todos diferentes, todos iguais” seja antes “quase todos diferentes, quase todos iguais” sendo que o “quase” quem o define é o PS.

Ainda, ao fazê-lo, e ao eleger estes como os seus “parceiros naturais”, o PS colocou o PSD numa encruzilhada… Ou aceita a nova regra e tem de procurar mais apoios (uma vez que o CDS já não é suficiente)… Ou não aceita e esquece o poder durante um tempo.

Neste caso Rio tomou a decisão previsível… Mas ao mesmo tempo a pior! 

Com ela o partido perdeu a possibilidade de mostrar que, ao menos neste ponto, é melhor do que o PS… E, pior ainda, com ela Rio não consegue evitar uma certa ideia que que o fez por vingança, o que é ainda pior do que o fazer por poder!

E é uma pena que Rio tenha desbaratado o potencial de coragem politica que havia granjeado enquanto autarca.

  • Mas é verdade que PCP e BE são iguais ao Chega?

Sinceramente não me parece… 

É verdade que o PCP mantem traços que levantam duvidas sobre a sua visão de democracia… A recusa em afirmar que o regime Norte Coreano é uma ditadura… a sua oposição ao voto de pesar pelo massacre de Tiananmen***… ou pela morte de manifestantes venezuelanos em 2019****, são disso exemplos altamente ilustrativos…

Ainda assim, não se pode ignorar, o papel altamente relevante do PCP nos movimentos associativos e sindicais, assim como na defesa intransigente dos direitos, liberdades e garantias. É, ainda, ao PCP e à sua acção que devemos, em grande medida, o combate à ditadura Salazarista e, em última instância, a liberdade conquistada em abril de 1974… 

Já o BE… Que também se opôs ao voto de pesar pelos manifestantes venezuelanos****, nasceu como partido de protesto… Ainda me lembro das suas campanhas, altamente inovadoras dos anos 90, como o dia em que montaram acampamento no Rossio… Foi evoluindo em número de votos, mas manteve uma radicalização de discurso que o afasta da postura mais coerente e previsível do PCP. Apesar de tudo o BE agrega em si, talvez, o maior número de intelectuais por m2 entre os partidos nacionais… E isso, só por si, o torna estimulante para um observador como eu.  

Os dois partidos defendem, pois, uma ideia de sociedade muito diferente da que defende o PS… Que só por tacticismo se aproximou deles (porque era a forma de chegar ao poder)… e só por tacticismo se mantem “com eles” (porque lhe permite estar numa “situação de poder” face ao seu parceiro que nunca teria num contexto de Bloco Central).

Já o CHEGA alicerçou o seu crescimento num discurso marcadamente populista e xenófobo… Algo que, só por si, o distingue, para pior, dos dois partidos anteriores… A sua intervenção política é marcada por uma táctica de exploração de preconceitos e de criação de “soundbytes” à moda das tascas de Alfama (ou da Ribeira), vazias de conteúdo, mas eficazes a recolher aplausos fáceis.

Não sei se o chega é de extrema direita… é seguramente a extrema direita do espetro político Português… Mas, se podia sê-lo, sem ser uma ameaça à nossa democracia, escolheu constituir-se como seu inimigo.

Esta é a diferença entre estes partidos… O PCP faz falta à nossa democracia. O BE deu-nos Miguel Portas e Luís Fazenda entre outros, já o CHEGA… O CHEGA não só não faz falta como receio que possa ser prejudicial.

Conclusão: Lá diz o povo “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”… 

E vocês, o que pensam disto?

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Fontes:

*https://www.dn.pt/portugal/esquerda-assina-os-acordos-antes-da-mocao-de-rejeicao-a-passos-4877874.html

**https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/costa-governo-acabou-com-arco-da-governacao-e-derrubou-o-ultimo-resquicio-do-muro-de-berlim

***https://www.dn.pt/poder/pcp-vota-contra-pesar-por-massacre-de-tiananmen-10988777.html

****https://observador.pt/2019/02/01/agitacao-no-parlamento-bloco-pcp-e-verdes-votam-contra-voto-de-pesar-pela-morte-de-manifestantes-na-venezuela/

Publicado por Hugo Barbosa

Empenhado em deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrei!

9 opiniões sobre “Caranguejola e Geringonça: Não são bem a mesma m…, mas os cheiros confundem-se

  1. Hugo, concordo em absoluto. Estranho é veres as “estrelas do PSD” a dizer que o PCP é a favor da China e apoia o MPLA em Angola, e são esses mesmos artistas cujos escritórios de advogados redigiram os acordos em nome do governo Chinês para comprar a EDP e a REN… Quando foram eles mesmo que representaram o PSD no congresso da MPLA o ano passado e onde foram só louvores e elogios! O Morais Sarmento e restantes quadros do PSD querem é poder e pensam que atiram areia para os olhos dos portugueses ao dizerem baboseiras acerca do PCP … Pois é verdade … Comparar PCP com CHEGA é o mesmo que dizer que vinho tinto e vinho branco são iguais!!!
    Infelizmente é a realidade que vivemos em Portugal .. Só querem tacho!

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    1. Sim Jorge… Há muita hipocrisia na forma como cada um apoia ou se indigna com as mesmas coisas dependendo do interesse de momento!…
      Mas nós temos um papel a desempenhar… participando… e exigindo dos actores políticos mais coerência de princípios!
      abraço

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  2. Olá Hugo, sobre este tema sobressaiu-me “a possibilidade democrática” deste tipo de alianças políticas. Considero também que é uma falta de respeito pelos votantes, no entanto parece-me que isso está em linha com a forma como não estimulam a participação da população nas eleições e consequente redução da abstenção (apesar de abordarem o tema ao longo das suas campanhas, nota-se não ser uma preocupação).
    Com isto, sinto que eleições a 2 voltas seriam uma solução, ou então a formação de alianças teria de ser feita unicamente antes dos atos eleitorais, não sendo permitidos após os mesmos. Isto porque considero que o papel de uma oposição deveria ser mais relevante no panorama do país, para elevarem o nível dos debates e da procura de soluções.
    Já no tema de eleições, também acredito que se deveria dar peso ao voto branco (uma espécie de campo “nenhum dos anteriores”), como sinal de desacordo com os projetos apresentados e como forma de pressionar todos os partidos a reverem as suas práticas. Creio que se fosse estudada alguma medida de consequência devido aos votos brancos (uma redução de membros parlamentares, um maior poder à oposição… ou algo mais elaborado do a minha simples e leiga opinião), a abstenção iria reduzir drasticamente, mas como disse antes, os partidos políticos não têm muito interesse na redução da abstenção, pois a quantidade de potenciais votantes acarretam um risco e uma incerteza para as urnas… algo que os partidos não querem, numa altura em que conseguem perceber e analisar com boa precisão o mercado político (a.k.a. votantes efetivos).

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  3. Olá Fred… Obrigado pelo teu comentário!
    Na verdade este tipo de acordos não são apenas legítimos como decorrem do modelo parlamentar que temos em Portugal…
    Como sabes quando votamos em eleições legislativas estamos formalmente a escolher deputados á assembleia de Republica… No entanto, toda a campanha é feita não em volta dos deputados que nos irão representar mas sim na figura do candidato a primeiro ministro de cada partido… Assim quando cada um de nós pensa que está a votar naquele que quer a chefiar o governo está, na verdade, a votar em alguém que na maior parte das vezes nunca ouviu falar e que ocupará uma das cadeiras de S. Bento.
    Por isto estes acordos são legítimos… Na verdade não são os votantes que escolhem o governo mas o presidente da Republica que “…ouve todos os partidos que elegeram deputados à Assembleia e, tendo em conta os resultados das eleições legislativas, convida uma pessoa para formar Governo” (https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/portugal/a-democracia-portuguesa)… Claro que, ao fazê-lo o Presidente tem o dever se assegurar a maior estabilidade governava possível e por isso deverá nomear aquele que lhe apresente apoio parlamentar mais abrangente e estável…
    Ora este sistema nunca foi um problema enquanto: #1. Os dois grandes partidos tinham como que um acordo tácito de respeitar o principio pelo qual em Portugal sempre formava governo o partido que ganhava eleições (existem declarações e vários lideres partidários, incluindo António Costa, a elogiar este principio) e #2. não parecia haver na assembleia da republica um partido que se apresentasse como uma ameaça directa á nossa democracia.
    Ora, sendo que estas duas premissas caíram… o risco materializou-se, e não tenho duvidas de que o que aconteceu nos açores acontecerá, mais cedo ou mais tarde, no continente.
    Por isto penso que se devia, sim, estudar propostas (como as que apresentas) que permitissem reduzir este risco… Para evitar que estejamos amanhã a braços com um Trump ou um Bolsonaro à Portuguesa…
    Infelizmente, tenho serias duvidas que isso seja fácil neste momento…

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    1. Olá Hugo, aquilo que sinto com a evolução que tenho visto (e não sou grande seguidor do tema politica) é que a abstenção neste momento é um ponto forte para as estratégias dos principais partidos políticos. Mas além de estarmos a votar num grupo parlamentar, estamos também a eleger um Secretário Geral de um partido para assumir os comandos da gestão diária de um país.
      Apesar de prevalecer os princípios da idoneidade, questiono-me muitas vezes quem são os seus superiores hierárquicos, questiono-me se eles priorizam as obrigações e deveres para com o país, ou se atuam segundo as linhas gerais estabelecidas pelo partido.
      Eu creio que apenas uma mudança no ato eleitoral, que fizesse com as pessoas sentissem que fazem a diferença no futuro do país e ao mesmo tempo estimulasse a competitividade dos partidos de forma a que realmente colocassem em primeiro plano os interesses do país. O que se tem visto com a geringonça, agora também nos Açores e também com as ascensões de ideais mais radicais é derivado da crescente vontade de ascender aos cargos de poder através de todos os meios disponíveis (e legais diga-se), independente de serem justos/injustos ou equitativos/inequitativos.
      Todos estes acontecimentos e outros que se preveem a curto prazo têm o mesmo denominador comum, que é um ato eleitoral pouco credível devido aos acontecimentos, e que além de desmotivar os eleitores começa também a gerar um publico-alvo perfeito para o populismo e ideais mais radicais como descreveste no texto.

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      1. Olá outra vez Fred…
        Realmente, segundo a constituição, tu não eleges candidatos a primeiro ministro… eleges deputados!
        Como disse o nosso sistema não é perfeito… Mas também não creio que o que necessitamos seja uma mudança de sistema.
        Com todos os problemas que possa ter eu ainda acredito no modelo parlamentar… Agora que há espaço para melhorias isso sem duvida… Assim como existe a necessidade de melhorar a compreensão dos eleitores sobre o que significa e para que serve o seu voto.
        Este Blog também pretende servir para isso… embora o seu contributo seja limitado…
        Mas é com diz o povo “Grão a grão…”

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  4. Sim, as ideias de sugestão são apenas numa ótica de melhoria do que temos hoje e que fosse capaz de motivar a participação das pessoas e também motivar uma melhor liderança dos governantes.
    Concordo plenamente com o que dizes, e que é necessário as pessoas a terem mais predisposição para estarem sobretudo melhor informadas (eu inclusive 😇).

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  5. Olá amigo Hugo,

    Em relação a este assunto, não é coisa em que não concorde ou que me faça muita confusão. Já com quem pertence a dita… me traz alguma comichão.

    Sinceramente acho que este tipo de “memorando de entendimentos”, “acordos”, “chamemos qualquer coisa”… será no futuro cada vez mais a solução possível para haver governação, seja nas ilhas ( o que para mim foi uma enorme surpresa) ou principalmente aqui no continente.

    Para justificar esta minha opinião poderia apontar diversas razões, desde o desinteresse cada vez maior dos portugueses pelos partidos e pelos políticos até à quantidade, se calhar exagerada, de partidos que leva a uma distribuição alargada de votos pelo espectro eleitoral. O que é uma contradição.

    Mas vou justificar esta minha opinião de que iremos ter no futuro mais “geringonças” com a não existência de líder político carismático, forte, um político à antiga como existiram no passado da esquerda á direita não interessa. Líderes partidários que transmitiam as convicções de cada partido que representavam , lideres em que as pessoas acreditavam, se reviam nas suas ideias.
    Atualmente os chamados partidos do arco da governação não conseguem apresentar esses líderes ou aqueles que prometem vir a ser acabam por desiludir. Abriram espaço a esta conjuntura de aparecimento ou desaparecimento de partidos de uma eleição para outra.
    Abriram a porta ao populismo e por arrasto ao radicalismo. Não vou apresentar exemplos, eles existem da esquerda á direita. Como está a sociedade basta aparecer um bom falante que consiga passar uma mensagem do “Somos contra isto ou aquilo…”é o suficiente.

    Os políticos deixaram que os portugueses deixassem de seguir ideais para passarem a seguir ideias. Como existem várias ideias diferentes, por consequência os votos são em diferentes partidos ficando o parlamento sem as maiorias que permitiriam governos eleitos.
    Atenção isto até nem seria mau se os votos fossem em partidos com ideais.
    Mas não os tradicionais partidos já não conseguem por si só ou com as alianças naturais terem os votos suficientes para formarem governo.

    Então o que resta. Governos contranatura, alianças com quem não se pensava ter, perdendo-se a identidade do partido, ou então andar de eleição em eleição.

    A não ser que se arranje novas soluções de como eleger deputados, ou definir novas formas de funcionamento parlamentar.
    Mas nesta área não tenho capacidade para intervir. A não ser que acho que existe muitos partidos e sobretudo muitos deputados para um país pequeno como o nosso Portugal.

    Abraço, Grande amigo

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    1. Olá Vitor, obrigado pelo teu excelente contributo!
      É como dizes, faltam lideres capes de mobilizar… e sobra o populismo em vários pontos do espetro politico!
      A nós cabe-nos manter o máximo de exigência aos lideres e o mínimo de aceitação aos populistas… venham eles de onde vierem…

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