Autor Convidado: Arthur Faria Carvalho

Living in a house, very big house, in the country ….

Desde os meus 10 anos, quando a família regressou do Brasil, onde fui nascer, que o meu Avô materno, Luiz Filipe, fazia questão de nos levar “à Cancela”, como ele chamava.

“A Cancela”, era e é, a quinta da família em São Lourenço de Sande, uma pequena freguesia do concelho de Guimarães, já encostada a Braga, vinda dos tempos do meu trisavô Manuel, onde a família não vivia, mas onde ia com alguma regularidade.

Íamos ao Sábado, com um farnel de almoço, e “acampávamos” na varanda para almoçar, entre uma manhã e tarde passadas a correr os campos, a inspecionar as intermináveis obras da casa (como o meu avô dizia … “é para se ir fazendo…”)  e a descarregar o velhinho, mas fiável Opel Kapittan, com cómodas e “ferranchada” e a carregar com batatas, cebolas e garrafas de vinho.  

Acontecimento incontornável do ano era quando, chegado o mês de Outubro, se faziam as vindimas! Todos os anos, era a incansável preparação de um ritual, de uma logística, de um processo. 

Foi aí que aprendemos, com a tradição de 4 gerações, como se fazia o Verde Tinto!  Preparar cestos, tratores, tesouras, e íamos para os campos, os trabalhadores com as escadas às costas, para subir às ramadas, onde estavam penduradas as uvas tintas. 

Com o passar do dia, as uvas iam enchendo os 3 lagares da quinta, numa quantidade de vinho já muito considerável, mas com uma qualidade pouco aconselhável … à noite, pisava se no lagar, num processo hoje pitoresco, mas na altura apenas “duro”!

Passados já muitos anos, sentado na referida varanda, o nosso Avô já não ia para o campo, mas acenava positivamente com a cabeça, quando íamos chegando com o trator carregado de uvas ao eido da casa, no seu caminho para o lagar. 

Foi desta forma, com a insistência, ou melhor, com a exigência da presença dos netos, que o nosso Avô, hoje pensamos de forma consciente, nos fez aprender fazendo, e nos fez ganhar gosto por este legado.

Passaram-se mais de 20 anos, e o falecimento do nosso Avô Luiz Filipe, com a bonita idade de 91 anos, levantou o “problema” habitual, do que é que se faz com estas propriedades;

Após partilhas sucessivas das gerações anteriores, chegou-me à mão, não bem uma quinta, mas o que eu carinhosamente chamo um quintal grande.  Uma casa com 300 anos, habitável, mas sem condições de habitabilidade, e uma vinha de Verde Tinto, quando toda a região foi virando para os brancos!…e um hectare de floresta também!!!

…chegados a este ponto temos o título deste texto  !!! … recordam-se? …os que forem mais ou menos da minha idade devem chegar a esta facilmente no “baú” dos anos 90….

Era realmente uma casa grande, muito grande, em mau estado, “lots of good, old charm in the country…” e a mim, nos meus vinte e muitos anos, parecia-me um desafio à altura!!

Tinha a visão de a transformar numa “Guesthouse”, transformar o vinho num produto artesanal de qualidade, juntar os dois, misturar com a vontade de receber e contar histórias… num projeto que parecia poder resultar!!

Muito antes de o turismo ser moda, e antes do vinho ser “trendy”, eu era “the man with the plan”.  

A família estava um pouco assustada, pois a propriedade, como muitas, era aquilo a que hoje claramente nos referimos como um “money pit”. Dizia a minha Mãe… “tu vê lá … toda a vida o teu Avô enterrou lá dinheiro ….”, ao que eu respondia … “..não há problema, porque eu não tenho dinheiro para lá enterrar !!!”

O projeto era grande, mas eu acreditava que era capaz de o fazer funcionar, e sozinho, lancei me ás obras, ao seu financiamento (sem um cêntimo de “subsídios”), e à visão que tinha.

Num ano, desfiz e refiz a casa completa, num tempo record de 11 meses, ficando as paredes ao alto apenas.

Restaurou-se a casa de 1720, com todos os confortos da vida moderna, com 6 suites e um cottage, a nossa “Casa das Bonecas”, manteve-se o lagar original com 300 anos, onde ainda hoje, “non-stop” se faz Verde Tinto, e fez-se uma experiencia de arquitetura moderna, ao instalar a nossa adega e “wine lounge” numa construção de contentores marítimos reciclados (muito antes da moda…), isolada com cortiça natural e improvavelmente apropriada para o espaço. A piscina, um tanque de pedra com água corrente natural de nascente, uma das obras intermináveis do meu avô, é hoje onde nos podemos refrescar no Verão. 

Foi uma prova de fogo de “project management”, aquilo que afinal eu sempre gostara de fazer. Requisitos do projeto, prazo e orçamento foram atingidos dentro do esperado!! … bem, quase … a verdade é que o orçamento deslizou um bocadinho, mas só 6%… não foi mau 🙂 !

Depois de em 2014 e 2017 ter replantado e aumentado as nossas vinhas para 2,5 hectares, (ainda muito pequeno numa escala comercial), em 2019, mesmo antes da corrente pandemia estourar, lancei a nossa marca de vinhos e espumantes, tintos e rosés, vinificados apenas a partir de castas tintas, HE-MJ.

Henriqueta e Maria Júlia, eram o nome das minha Bisavó e da minha Avó, e são também os nomes das minhas filhas. 

Perpetuamos em cada garrafa as gerações que nos precederam e fazemos as atuais sentirem como seu este legado. Hoje as minhas filhas e os meus sobrinhos, a geração seguinte, a 6ª, já vindimam e trazem o trator com uvas para o lagar, como outrora fez o meu irmão e eu. 

A casa da Quinta da Cancela, hoje não é um hotel… é uma casa de família, e que só faz sentido quando a partilhamos… com a família, com amigos e com os nossos hóspedes… que passam a ser amigos e são de mais de 50 países diferentes! 

O nosso vinho, não é apenas uma garrafa… é um pedacinho das nossas vinhas, da nossa dedicação e tenacidade, que cada um leva consigo, e que nos passou pela mão dezenas de vezes… não foi processado numa fábrica… foi pisado num lagar com 300 anos!

Não é um “9 to 5”… Não é um emprego, nem apenas um negócio… 

É uma forma de vida!

Há maneiras mais fáceis de viver? Há! …mas não é a mesma coisa!!!

Cheers!!!

quintadacancela.com | @1720quintadacancela

 #SociedadePortugal; #AutoresConvidados; #1720quintadacancela; #EnoTurismo

Publicado por Hugo Barbosa

Empenhado em deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrei!

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