Autor Convidado: André Rombo

Os artigos que temos lido no Blog do Hugo reflectem inúmeras e tão interessantes personalidades (objectivamente de “A” a “V”), experiências de vida fantásticas que, após o seu desafio para eu próprio publicar o meu texto, não queria, de todo, defraudar as suas (dele) expectativas. Se inicialmente fiquei lisonjeado, o nervoso “miudinho” começou a apoderar-se de mim a cada passo, mas tentando nunca perder o Norte sobre o que poderia partilhar. 

Sem querer de qualquer forma me antecipar, houve, no entanto, algo que retirei de imediato e que não esperava mesmo que acontecesse – um exercício de auto-reflexão que raramente o faço (mea culpa) – reconhecendo importantes momentos da minha vida, sobretudo os últimos anos em Basileia, o quão especiais são as pessoas que nos rodeiam (família e amigos) e a influencia que tem sobre nós e sobre aqueles que, de facto, adoramos. Criou-se então uma vontade enorme de, genuinamente, partilhar um pouco de mim e do meu mais recente percurso, como individuo e como parte integrante do meu núcleo familiar mais próximo.

Em outubro de 2015 e apos a finalização de um “stretch assignment” de três semanas em Basileia, perguntaram-me se não estaria interessado em considerar-me “mobile” e aberto a potenciais experiências profissionais de maior duração. Apesar da curiosidade que sempre tive para trabalhar fora de portas, nunca foi algo que visse como condição sine qua non para a minha felicidade e realização pessoal e/ou profissional.

O projecto correu bem. Ambiente formidável, uma enorme multi-culturalidade , aprendizagens continuas, o gosto pela cidade, ou melhor, pelo Campus dado que foram três semanas e fins-de-semana muito intensos, criaram em mim uma vontade enorme de querer experimentar algo mais permanente. Na véspera de Natal, decidi então mostrar o meu interesse num processo de recrutamento internacional da Novartis,  estavam lancados os dados para o que seriam os 7 anos seguintes…até ver.

Ao contrário do que anteciparia e para surpresa minha, considerando-me uma pessoa estruturada e com necessidade de planear com antecedência tudo o que faço, “o caminho fez-se caminhando”, sobretudo a decisão inicial de participar no processo de recrutamento.  Sem conversas profundas em família, claro que alinhado sempre com a minha mulher, fui encarando o processo com muita naturalidade e motivação…até que chegou o momento de dizer sim ou…sim. 

Claro que quando surgiu o telefonema do “hiring manager” sobre o sucesso da candidatura, e assim que terminou a chamada, soltei muito português vernáculo pois estava longe de pensar naquele desenlace e agora era algo que não poderia recusar. Estava com a minha mulher e os meus filhos a caminho de um sarau de um deles. Diria que a minha mulher ficou em poucos segundos a conhecer uma faceta minha, nova até então, não tão evidente: a do português bem vernáculo para exteriorizar o que me ia na Alma.

Sem pensarmos, sem racionalizarmos muito, viemos então para a Suíça, com 3 filhos de 1, 5 e 9 anos de idade, em Julho de 2016.  Hoje, olhando para trás, e ao debruçarmo-nos sobre o processo de decisão estamos convictos que se ponderássemos todos os pros e contras da situação – trabalho, amor, carinho e suporte total que tínhamos em Portugal – muito provavelmente não teríamos vindo e só hoje vemos o quão acertada foi a decisão na altura.

As estórias curiosas, os choques (bons e maus) culturais e surpresas começaram logo no dia em que chegamos ao aeroporto.  Primeiro baque: preço da viagem de táxi do aeroporto a casa…quase o mesmo da viagem de avião de Lisboa para Basileia, sendo que foram cinco bilhetes de avião, percurso de 2 horas e meia e não uma “van” cheia de malas e para um trajecto estimado de 15 minutos. 

Relembro muito bem como os nossos filhos se sentiram bem assim que chegaram, essencialmente fruto do trabalho inesgotável que a minha mulher Katia tinha tido, durante algumas semanas antes da nossa chegada a arrumar os 384(!) caixotes e mais de 150 garrafas de vinho que trouxemos de Portugal (não sabíamos para o que vínhamos e poderia ser necessário “ajuda”) na tentativa de replicarmos a nossa casa, no apartamento onde iriamos viver. O facto de termos chegado durante um período de férias também ajudou. Passeamos bastante, conhecemos a área e ambientamo-nos. 

Mas, como em muitas etapas da nossa vida, há ciclos melhores e piores. Os meses que se seguiram, após o início das aulas até ao Natal, não foram fáceis de todo. Não, não foi o frio. Foi a tristeza diária ao ver um dos nossos filhos a chorar convulsivamente na escola assim que o deixávamos. Ainda hoje tenho a imagem do Gonçalo encostado as janelas de vidro enormes da escola a ver-me a apanhar o elétrico para o trabalho.

Não foi fácil. Não era propriamente o chorar dos nossos filhos bébés quando os deixamos na creche, no infantário perto de onde moramos ou moram os nossos pais, e saber que mais cedo ou mais tarde os avós, os tios ou nós mesmo os iriamos buscar. Era um filho de 5 anos a chorar, sem ninguém conhecido, numa cidade nova, idioma novo (inglês) e nós a culpabilizarmo-nos constantemente pela mudança. Relembro a professora do Gonçalo, na esperança de atenuar o nosso sofrimento, sem sucesso, dizer  “André, imagine sentar-se numa mesa de reuniões com os seus colegas de trabalho, durante 8 horas por dia e não perceber o que é dito por estarem a falar um idioma (mandarim utilizou a professora) que desconhece totalmente”. 

A Katia, a minha mulher. Nos primeiros anos ajudou muito a nossa adaptação. Para uma pessoa  profissionalmente activa, e sempre adorou trabalhar antes da nossa aventura, também sofreu os seus altos e baixos e consequentemente, como casal, tivemos também fases complicadas. 

O dia da Katia era preenchido, também sentindo essa obrigação de suportar a família, a gerir a casa, e após o almoço começar por cuidar do filho mais novo assim que saía da escola, recolher os mais velhos…já sabem, trabalhos de casa, banhos, jantares, e à noite aturar o marido que não se apercebia de metade do trabalho e dedicação. Agora, em contexto de pandemia percebo parte, pois ao trabalhar em casa e sentirmo-nos obrigados a ter tudo impecável ate o clã chegar, passou a ser uma profissão paralela. 

Foi de uma grande coragem e abnegação total para benefício da família. Assim que voltou ao activo, demos um salto qualitativo enorme na nossa vida, coincidindo também com uma maior autonomia dos filhos e a sua maior independência em termos de deslocações. 

E aquele foi um dos choques positivos. A autonomia, a sensação de segurança patente que se vive em Basileia. Assistir, por exemplo, ao Gonçalo com 7 anos a deslocar-se de transportes sozinho da escola para os treinos de futebol…apanhava um autocarro e dois elétricos. Cedências? Sim, também. Exigiu um telemóvel decente (sem publicidade, podem antecipar que fruta foi) para estar sempre contactável e lá tivemos que ceder à pressão… a primeira de muitas, mas faz parte da vida.

Algo marcante na nossa aventura, e um sentimento que muitos podem pensar como piegas, tantas vezes eu também assim pensava, tem a ver com o sentimento de pertença a uma comunidade Maior como a Comunidade Portuguesa, com Portugal. A forma como sentimos intensamente o que se passa em Portugal, mas sobretudo aquilo que sentimos quando há algo positivo com o sucesso internacional dos nossos, seja no desporto, na ciência, na economia, na musica, nas artes. O ouvir o Hino, o Hino…, cantar torna-se mais difícil pois a voz está embargada de emoção…. inexplicável, piegas para muitos.   

Um dos momentos altos, sem dúvida, foi a vitoria de Portugal no Euro 2016. Ir para as ruas de Basileia sem conhecer praticamente ninguém, parar na rua e ver imensas pessoas felizes, de diferentes backgrounds e classes sociais. A boleia de um emigrante português, em Franca, que buzinava insistentemente num semáforo, exaltando de felicidade extrema por tantos anos longe de casa. Longe de casa por necessidade, uma dimensão diferente daquela que a maior parte de nós com experiências internacionais tem. Não havia policia suíça que o parasse….só mesmo a buzina o parou, e a mim também, porque ficou “rouca” e sem voz.

Tanta coisa por dizer. Novas amizades, muitos BBQ’s com portugueses, estrangeiros, descer o Reno a nadar ao lado de barcos, a importância das comunidades locais para o desenvolvimento dos miúdos e a sua melhor integração, as actividades ao ar livre, a naturalidade com que se encara o frio, a experiencia de fazer compras em 3 países diferentes num só dia, o ser multado como peão por não atravessar na passadeira ou esperar pelo sinal verde, tanta e tanta coisa. 

Do lado mais profissional, a forma como o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional está implícito e presente no dia-a-dia, tudo é natural nesse sentido. Neste aspecto, algo que aprendi e que, de facto, hoje reconheço que muitas vezes somos nós mesmos o nosso próprio “bottleneck”. Aquela sensação por que passava quando por motivos pessoais tinha que sair mais cedo do trabalho (médicos, festas dos miúdos nas escolas,…). Não havia nada que me impedisse, nada que os colegas ou chefias questionassem, mas a auto-precepção que estava a fazer algo fora da norma. 

Mas há muitas Saudades sem dúvida. A família, os amigos, a comida… o cheiro do mar, o Benfica!! 

Não temos à nossa disposição, hoje, o jornal de amanhã, mas se fosse hoje voltaria a fazer tudo igual, e de firme convicção que a experiencia é muito enriquecedora a nível pessoal e profissional, e que estamos a criar alicerces fortes para aqueles que muito amamos, os nossos filhos, a nossa mulher, a nossa família. Esta é para mim, a maior razão de aqui estarmos, nem tanto pela questão estritamente profissional. 

E, cada vez estou mais ciente daquela vertente – a familiar – em detrimento de certa maneira da inicial, não desmedida, ambição profissional no momento em que nos decidimos por esta aventura. Li recentemente um “post” de uma antiga colega na Novartis Portugal. Que coragem e que impacto o testemunho tem. Citava o CEO da Google sobre o conjugar de diferentes bolas que cada um de nós tem ao seu dispor – trabalho, família, saúde, amigos e ”soul”. Se as pudessemos “manipular”, no sentido em que um malabarista o faz, e sabendo que quatro são de vidro e uma de borracha rapidamente nos apercebemos qual é aquela que é de borracha – trabalho. Todas as outras a cairem no chão dificilmente recuperam a sua forma original. No nosso caso, uma das nossas bolas de vidro, a mais frágil, é de facto a bola da família/filhos e é dessa que vamos cuidar mais. Conscientes, sem dúvida, de que o trabalho faz parte da nossa vida, que precisamos dele, dedicarmo-nos o máximo, com a máxima lealdade e propósito, mas família sempre primeiro. 

Para terminar, espero que ainda aqui estejam, deixo um discurso que a minha mãe fez no dia do nosso casamento e que reflecte bem aquilo que os meus pais, avós me transmitiram ao longo dos anos, aquilo que gostaria que também fosse transmitido aos meus filhos e onde esta aventura e as decisões que tomamos, antes e depois de Basileia, de certa forma possam, espero eu, contribuir com particular sucesso.

 Obrigado Hugo!

Para voces Madalena, Goncalo e Lourenco lerem um dia.

“Deus dá, Deus tira, Deus torna a dar. 

Deus deu-me uns pais maravilhosos que me deram dois irmãos muito amigos e sempre presentes. Deu-me uma família e a possibilidade de escolher os meus queridos amigos. Como amigo de eleição, de paixão e de amor escolhi um companheiro para a vida!

Quando foi para ter os nossos meninos, o Carlos Alberto e eu, mergulhamos no mais bonito sonho da nossa vida em comum: bendita a hora em que nasce um filho; e que grande responsabilidade a de colocar alguém no mundo e tentar ensina-lo “a construir um mundo melhor”. 

Estão crescidos, cada qual com a sua estrela, com o seu nome…Pedro, Catarina, André. 

Há coisas que pude fazer por eles…trocar fraldas, contar histórias, levá-los à escola, embalá-los de noite quando estavam doentes ou inquietos. Transmitir-lhes valores para a vida, umas vezes sorrindo, outras castigando e logo de seguida perdoando. 

O meu amor pelos meus filhos não tem limite! Pude e posso amá-los à minha maneira, nem sempre como esperaram, esperam ou desejam que o manifeste!

É que há coisas que eu não posso e é por isso que sou mãe, eu não sou Deus!”

#SociedadePortugal; #InternationalCareers; #WorkLifeBalance 

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Publicado por Hugo Barbosa

Empenhado em deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrei!

2 opiniões sobre “Autor Convidado: André Rombo

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